Compliance: Direito Empresarial x Direito Penal

Na graduação meu professor de tributário disse em sala de aula uma frase que sempre ficou na minha cabeça e acabou orientando os meus estudos: “o estudante de direito de apaixona por penal, se casa com civil e se prostitui com tributário e empresarial”.

Significado da paixão do estudante de direito

Ele queria dizer que o Direito Penal é o que primeiro atrai o interesse do aluno por envolver questões como crime, ilícitos penais, prisão, bens e direitos importantes tutelados. A sociedade gosta de uma tragédia, como é possível observar facilmente desde a política dos pão e circo de Roma, que envolvia as lutas dos gladiadores, até os programas de jornalismo sensacionalistas que passam na nossa TV. Isso só Freud explica!

A relação com civil é a duração das disciplinas de civil dentro de um curso, desde a teoria geral, passando por obrigações, contratos, reais, família, sucessões, até chegar na responsabilidade civil. Corresponde a mais da metade do curso. Por sua vez, tributário e empresarial são apresentadas quando o aluno já está cansado da faculdade, está com vontade de ir embora o mais rápido possível, e só vão descobrir a importância delas e o campo de atuação depois de formados.

Qual a relação da paixão do estudante com o estudo da compliance?

Tudo.

O que é compliance?

É, em tradução livre do termo comply, está em conformidade com as determinações legais. O seu estudo começou em 1976 com o desenvolvimento por Jensen e Meckling da Teoria do Agente-Principal, e:

De acordo com a teoria desenvolvida, os executivos e conselheiros contratados pelos acionistas tenderiam a agir de forma a maximizar seus próprios benefícios (maiores salários, maior estabilidade no emprego, mais poder, etc.), agindo em interesse próprio e não segundo os interesses da empresa, de todos os acionistas e demais partes interessadas (stakeholders). Para minimizar o problema, os autores sugeriram que as empresas e seus acionistas deveriam adotar uma série de medidas para alinhar interesses dos envolvidos, objetivando, acima de tudo, o sucesso da empresa. Para tanto, foram propostas medidas que incluíam práticas de monitoramento, controle e ampla divulgação de informações. A este conjunto de práticas convencionou-se chamar de Governança Corporativa. (INSTITUTO BRASILEIRO DE GOVERNANÇA CORPORATIVA. 2019)

As práticas de Governança Corporativa foram estudadas, primeiramente nos cursos de administração, e, posteriormente nos cursos de direito nas disciplinas de Direito Empresarial e suas especializações e pós-graduações, já estudavam maneiras de manter o empresário atuando em conformidade com as normas empresariais, tributárias e civis.

E como a compliance e a governança corporativa passou a ser apropriado pelo Direito Penal?

Nos Estados Unidos da América, logo em 1977, um ano após o desenvolvimento da teoria do Agente-Principal, surgiu o Foreign Corrupt Practices Act (FCPA)

destinada a criar sanções cíveis, administrativas e penais no combate à corrupção comercial internacional. Esta lei se aplica a pessoas e empresas Americanas que, em atividade comercial no exterior, utilizam de corrupção no poder público estrangeiro para obter ou reter transações comerciais naquele país. Da mesma forma, esta lei cria uma estrutura administrativa para combater a prática de corrupção em transações comerciais internacionais. (TORREY, 2019)

A preocupação com o penal nasce logicamente da tutela dos bens civis e administrativos, separando os bens mais importantes para que passem a ser reprimidos com penas de prisão.

No Brasil a compliance ganhou destaque com as Operações da Lava Jato e os casos de descobrimento de corrupção envolvendo empresas de grande porte e políticos e se incorporou ao cotidiano jurídico com a promulgação da Lei n. 12.846/2013 – Lei Anticorrupção. Esses fatos deram notoriedade jornalísticas a um tema que está então estava restrito ao Direito Empresarial e Tributário.

A notoriedade que os casos de corrupção ganharam nos últimos anos nas mídias fez com que parecesse que a compliance é um instituto de direito penal. Mas ao contrário, ele só existe no direito penal porque foi anteriormente estudado e aprofundado por outras áreas do conhecimento jurídico.

A apreensão da compliance pelo Direito Penal é ruim para o estudo da compliance?

Logicamente que não.

No Brasil as discussões sobre Governança Corporativa e normas de conformidade, principalmente com o mercado de capital, iniciaram na década de 90 e em 1995 foi criação do Instituto Brasileiro de Conselheiros de Administração (IBCA), que a partir de 1999 passou a ser intitulado Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).

Mas porque somente com as ações da Operação Lava Jato a compliance ganhou notoriedade?

Entendo ter havido a convergência de dois fatos:

  1. A notoriedade em si que um caso de corrupção da proporção que é a Operação Lava Jato e a quantidade de políticos envolvidos tem. Isso acabou chamando a atenção da sociedade como um todo e não somente dos estudiosos da área.
  2. Relação prevenir e remediar. Quanto custa prevenir determinada situação e quanto custa remediar essa mesma situação caso aconteça o evento danoso, considerando a probabilidade desse acontecer. A consequência para a repressão civil é diferente para a penal e as penas de prisão, bem como a atração dos olhares da imprensa e da sociedade, faz com que o custo no remediar passem a ser mais caros do que o de prevenir.

Como resolver a questão envolvendo o confronto dos ramos do direito e a compliance?

O tema da compliance deve ser tratado por todas as áreas de conhecimento do direito. Abordar somente pela esfera penal é deixar de estudar os elementos fundadores e basilares do instituto, mas também deixar de desconsiderar o penal é ignorar a pressão que ele exerce sobre os empresários e seus agentes. A compliance deve ser estudada como um fenômeno multidiciplinar.

 

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Sobre a Autora:

Nadialice Francischini de Souza. Advogada. Docente. Doutora em Direito pela UFBA, na linha de Relações Sociais e Novos Direitos, estudando a Governança Corporativa e o Direito de Propriedade.

 

 

Referência:

INSTITUTO BRASILEIRO DE GOVERNANÇA CORPORATIVA. Origens da Governança Corporativa. Disponível em: <https://www.ibgc.org.br/governanca/origens-da-governanca>. Acesso em: 16 mar 2019.

TORREY, Daniel. FCPA cria sanções no combate à corrupção comercial. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2012-abr-11/fcpa-cria-sancoes-combate-corrupcao-comercial-internacional>. Acesso em 19 mar 2019.

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