A transformação compulsória da EIRELI é inconstitucional

A recente lei n. 14.195/2021 trouxe várias alterações ao Código Civil, Lei das Sociedades Anônimas e outras, tudo com o intuito de buscar a facilitação do exercício da atividade empresarial, a proteção de acionistas minoritários, a facilitação do comércio exterior, as cobranças realizadas pelos conselhos profissionais, a profissão de tradutor e intérprete público, a obtenção de eletricidade, a desburocratização societária e de atos processuais e a prescrição intercorrente. Ela é uma verdadeira ‘colcha de retalhos’.

Mas entre todas as disposições trazidas, a que determina a transformação compulsória das EIRELIs – Empresas Individuais de Responsabilidade Limitada em SLU – Sociedade Limitada Unipessoal, me chamou bastante atenção e gostaria de analisar juntamente com vocês.

Tal determinação se encontra no artigo 41 da Lei n. 14.195/2021, que dispõe:

Art. 41. As empresas individuais de responsabilidade limitada existentes na data da entrada em vigor desta Lei serão transformadas em sociedades limitadas unipessoais independentemente de qualquer alteração em seu ato constitutivo.

Em um primeiro momento foi noticiado sites de escritórios e de notícias, em análise preliminar que a publicação desse dispositivo implicou no fim da EIRELI. Não há indicativo do motivo que levou a entender que é o fim, pois, a exemplo dos sites da Jucepar (2021) e do Rede Jornal Contábil (2021), há a repetição do dispositivo acima e a conclusão categórica de que as EIRELIs morreram.

Me reservo o direito de discordar, bem como de afirmar que tal dispositivo é totalmente inconstitucional.

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Primeiramente, a EIRELI não morreu. O artigo 980-A, do Código Civil, que regula a EIRELI, não foi alterado ou revogado, então é plenamente possível que alguém constitua uma EIRELI nova hoje, é plenamente possível. Não que eu ache que as EIRELIs sirvam para alguma coisa, principalmente depois da possibilidade das SLU – Sociedades Limitadas Unipessoal.

Muito provavelmente, as EIRELIs vão se juntar às Sociedades em Nome Coletivo, Comanditas Simples e Comanditas por Ações, que estão regulamentas, existem juridicamente, mas não tem nenhuma aplicabilidade prática. Ou seja, tem previsão no Código Civil, mas não se registra a constituição delas a muito tempo.

Sobre a alteração compulsória de EIRELI para SLU, entendo que a determinação legal fere claramente o princípio constitucional da livre iniciativa, previsto expressamente no artigo 170 da Constituição Federal. Sendo, portanto, totalmente inconstitucional.

Sobre a livre iniciativa André Ramos Tavares (2018), explica que ela é:

[…] uma forma de liberdade individual e, mais especificamente, uma modalidade de livre iniciativa econômica, aplicada às situações de empreendedorismo e atuação econômica. Exatamente por isso é considerada fundamental no modelo de economia capitalista, pois enseja a criação de entidades empresariais privadas que irão constituir grande parte das relações econômicas do chamado mercado. É também um dos esteios da Constituição econômica brasileira de 1988.

A livre iniciativa assegura a aquele que quer desempenhar uma atividade econômica o direito de fazê-lo da forma que melhor entender e que se adequar a suas necessidades, desde que não configure ato ilícito. Se o empresário foi constituído sob a forma de EIRELI somente o seu membro/sócio é quem tem o legítimo interesse em alterar a sua constituição. Faz parte da sua estruturação de negócio e de empresário.

O legislador, a menos que tenha extinguido a EIRELI, o que não foi o caso, não pode determinar compulsoriamente a transformação, pois isso fere a livre iniciativa do empresário.  Desta forma, entendo que a EIRELI sobrevive sim e que o artigo 41 da Lei n. 14.195 é totalmente inconstitucional, ferindo claramente o artigo 170 da CF e o princípio da livre iniciativa, vez que não pode haver determinação de transformação compulsória.

REFERÊNCIAS

JUCEPAR. Fim da EIRELI. Disponível em: <https://www.juntacomercial.pr.gov.br/Noticia/Fim-da-EIRELI>. Acesso em 22 set. 2021.

REDE JORNAL CONTÁBIL. EIRELI chega ao fim no país, empresas serão transformadas em SLU. 01 set. 2021. Disponível em: <https://www.jornalcontabil.com.br/eireli-chega-ao-fim-no-pais-empresas-serao-transformadas-em-slu/>. Acesso em: 22 set. 2021.

TAVARES, André Ramos. Livre Iniciativa empresarial. In Enciclopédia Jurídica da PUCSP. 1 jul. 2018. Disponível em: <https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/237/edicao-1/livre-iniciativa-empresarial>. Acesso em: 21 set. 2021.

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