Desenvolvimento histórico da Governança Corporativa
O tema da governança corporativa, ainda pouco estudado na área jurídica, começou a ser estudado na década de 1970, com o processo de aglutinação societária, principalmente nos Estados Unidos[1], com o ativismo de Robert A. G. Monks[2]. Intensificou por volta de 1990 com a ocorrência de alguns casos como o Guiness[3], no Reino Unido, e o caso das quase falências da IBM[4], nos Estados Unidos da América. Pois eles fizeram com que os acionistas, principalmente os investidores institucionais e os minoritários, perceberam que precisavam ter uma atuação mais ativa dentro dos órgãos colegiados das sociedades anônimas de uma forma geral[5].
Segundo Carlos Eduardo Vergueiro, todos esses casos geraram “um sentimento de que algo estava errado com os métodos de administração e supervisão societária; que não havia um conjunto de regras previamente bem elaboradas e pensado para atuar em tal situação”[6].
Já aponta Nilson Lautenschleger Júnior que o processo também foi influenciado por uma exposição internacional maior das empresas, fazendo com que houvesse, necessariamente uma confrontação entre os diversos sistemas jurídicos e o modo com estas eram administradas[7].
A governança tem o intuito de solucionar o problema que envolvia o responsável por decidir questões de transferência ou não do controle da sociedade[8], bem como de solucionar conflitos envolvendo outros agentes que compõem internamente as sociedades anônimas. Por esse motivo, alguns autores como Carlos Martins Neto[9] e Carlos Eduardo Vergueiro[10], sustentam que a base do nascimento da governança corporativa é a teoria da agência ou agency conflicts.
Segundo essa teoria, os agentes são as pessoas que são contratadas para tomar decisões em favor do contratante, e quando estes começam a agir na busca de maximizar as suas vantagens pessoais em detrimento dos benefícios que deveria gerar para os acionistas, por quem foram contratados, faz surgir um conflito[11]. Desta forma, as práticas surgem como meios de coibir a atuação dos agentes com fins pessoais.
Aponta Carlos Eduardo Vergueiro que
“O interessante da agency law, dentro do Direito Comercial americano, é o fato de que ela conseguiu identificar diversas situações nas quais controladores apresentam comportamentos oportunistas em detrimento dos acionistas, sejam eles todos os acionistas ou apenas os não controladores.”[12]
Michael C. Jensen e William H. Meckling, em um artigo publicado em 1976, já apontava a importância de separar, dentro de uma sociedade anônima, o controle patrimonial, a responsabilidade social e o desenvolvimento dos negócios, a fim de solucionar problemas de custo, desperdício e otimizar a produção e por consequência, os ganhos.[13]
Assim a teoria da governança corporativa, tendo como base a teoria da agência, se desenvolve a partir da necessidade de fazer uma gestão mais profissional das sociedades, principalmente as anônimas, com o fim de assegurar a todos participação na tomada de decisões.
Com o avanço dos estudos e na sequência de outros escândalos financeiros, em 1991, Lord Cadbury, foi escolhido pelo Banco da Inglaterra para, em um trabalho conjunto com a Bolsa de Valores de Londres, a Accountancy Profession e o Financial Reporting Council, para formular um código de práticas recomendáveis aos administradores, diretores e membros dos conselhos de administração e fiscal, sobre como deveriam comportar-se na gestão das sociedades[14]. O código denominado de Code of Best Practice, ficou conhecido como Relatório Cadbury, e foi publicado em dezembro de 1992.
A partir deste relatório, outros foram sendo desenvolvidos no intuito de revisar as práticas e condutas indicadas, bem como no sentido de aperfeiçoá-las, tendo destaque o Relatório Greenbury (1995), Relatório Hampel (1998), Relatório Turnbull (1999) e o Relatório Higgs (2003).
A adoção dos códigos de conduta passou a ser uma opção viável na ausência de norma regulamentadora e a fim assegurar, principalmente, que novos escândalos não voltassem a ocorrer. Desta forma, as leis surgissem no início do século XXI por todo o mundo, como por exemplo no âmbito da Comunidade Européia, foi formada uma Comissão de Alto Nível de pessoas estudiosas sobre o assunto a fim de apresentar um normas de recomendação que pudessem ser aplicadas em todo o grupo.
Em 2002, foi apresentado o Relatório Winter que abordar o “inadequado grau de harmonização, a insuficiente transparência das estruturas e dos mecanismos de defesa, a necessidade de uma base para calcular um ‘preço equitativo’ e a introdução de denominadas cláusulas de afastamento obrigatório”.[15]
Nos Estados Unidos da América, em julho de 2002, foi publicada a Public Law 107-204, conhecido como Sansbanes-Oxley Act, que estabelece práticas de governança corporativa[16].
No Brasil as práticas de governança corporativa, bem como a teoria da agência, enquanto institutos jurídicos, não encontraram amparo, pois não há aqui uma pulverização de capital como o existente nos Estados Unidos e no Reino Unido, o que acaba por proporcionar uma distinção na concentração do capital[17]. Entretanto, isso não significa que não haja normas que regulamente.
Há na legislação uma atenção mínima a governança corporativa, segundo o disposto no artigo 116, parágrafo único, da Lei n. 6.404/1976, que determina que o acionista controlador deve agir sempre em busca de atender a função social da empresa, tendo como ponto de partida os interesses dos demais acionistas, dos funcionários e da comunidade onde a sociedade está inserida[18].
O estabelecimento das normas de boa governança, assim, acabaram ficando a cargo da Comissão de Valores Mobiliários – CVM, em conjunto com o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa – IBGC, lançaram em 1999, o Código de Melhores Práticas que contem recomendações práticas de governança com o fim de contribuir para a organização das sociedades anônimas no país[19].
Mais recentemente, em 2010, o International Organization for Standardization – ISO, publicou a norma n. 26000 que aborda diretrizes sobre responsabilidade social e, no tópico 6.2, trata especificamente sobre a governança corporativa, sob a demoninação de governança organizacional. O objetivo da ISO é padronizar as práticas que atualmente estão dispostas em diversos documentos, certificando as sociedades que as seguirem.[20]
Seja através de normas recomendatórias, os relatórios, seja através da imposição normativa, as regras de governança corporativa passaram a ser uma preocupação, isso porque do bom desempenho da administração das sociedades depende do envolvimento de todos os agentes no processo decisório.
[1] VERGUEIRO, Carlos Eduardo. Acordo de Acionista e a Governança das Companhias. São Paulo: Quartier, 2010, p. 40.
[2] Nascido em 1933, ele é considerado um pioneiro no estudo da Governança Corporativa e defensor dos direitos dos sócios das sociedades anônimas, isso porque, após largos anos de experiências como diretor de planos de aposentadoria e fundos de pensão ele verificou a necessidade de uma administração mais profissional e que permitisse acesso a todos no processo de tomada de decisão. Para tanto, em 1985, ele fundou o Institucional Shareholder Services, Inc. que presta consultoria nesta área. Ele fundou também, em 1992, um fundo de investimento conhecido como lente, que se desenvolve através de uma ativismo institucional de investimento, que consegue retornos acima da média dos mercados. (MONKS, Robert A. G. Extended Biography. Disponível em: <http://www.ragm.com/Extended-Biography.htm>. Acesso em: 06 fev. 2014.)
[3] Considerado um escândalo, teve início em 1982 e “foi provocado pela compra ilegal de ações com o objetivo de sustentar os preços das ações da Guinness durante uma batalha árdua e muito divulgada pela imprensa em torno da aquisição da Distillers, uma fabricante de Whisky”. As práticas foram descobertas e investigadas pelo Departamento de Comércio e Industria em 1986 e culminou com a condenação, em agosto de 1990, de Ernest Saunders – diretor administrativo da Guiness – e outros três réus por roubo, conspiração e falsificação contábil. “O episódio fez com que o público perdesse a confiança no tradicional sistema de autoregulação da City e no cavalheirismo ali reinate”. (ROBERTS, Richard. Por Dentro das Finanças Internacionais. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000, p. 221-222).
[4] Para entender a quase falência da IBM recomendo a leitura da entrevista de Louis Gerstner Jr. concedida às Revista Exame, em 19 de fevereiro de 2003. Nele ele aponta que em 1993 a IBM tinha um prejuízo de aproximadamente 16 bilhões de dólares e uma ameaça de que o grupo fosse retaliado, isso em virtude de uma má administração. (PIMENTA, Angela. “Como salvei a IBM”. Disponível em: <http://exame.abril
.com.br/revista-exame/edicoes/0786/noticias/como-salvei-a-ibm-m0052431>. Acesso em: 06 fev. 2014.)
[5] Neste sentido JESUS, Roberto Martins Ribeiro. Governança Corporativa: a formação de mecanismos por investidores institucionais, o caso PREVI. Dissertação apresentada à Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresa para obtenção do Grau de Mestre. Rio de Janeiro, 2004. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/4118/000348348.pdf?sequence=1>. Acesso em: 23 abr. 2013, p. 18.
[6] VERGUEIRO. Op. Cit., p. 40.
[7] LAUTENSCHLEGER JÚNIOR, Nilson. Os desafios propostos pela governança corporativa ao Direito Empresarial Brasileiro: ensaio de uma reflexão crítica e comparada. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 20.
[8] Neste sentido aponta Carlos Eduardo Vergueiro ao identificar o primeiro problema que o Direito Comercial tem que solucionar no âmbito da Governança Corporativa, principalmente levando em consideração a venda, por parte daqueles que detêm maior parcela de ações, de bloco destas, sem repassar o prêmio obtido com os demais sócios. Em companhias dirigidas por conselhos de administração, a questão envolve a tomada de decisão, ainda que por oferta hostil, de forma a proteger os acionistas. (VERGUEIRO. Op. Cit., p. 41-42)
[9] MARTINS NETO, Carlos. Dispersão Acionária, tomada Hostil de Controle e Poison Pills: breves reflexões. Revista Semestral de Direito Empresarial. N. 5, jul./dez. 2009. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 14.
[10] VERGUEIRO. Op. Cit., p. 57-59.
[11] Neste sentido: SILVEIRA, Alexandre Di Miceli de. O que é a Teoria de Agência, Problema e Custos de Agência?. Disponível na internet em: < http://www.ibgc.org.br/PerguntasFrequentes.aspx>. Acesso em: 05 mar. 2012, p. 01.
Contrariamente a posição majoritária apontada, Carlos Eduardo Vergueiro conceitua agente como a pessoa que se compromete a agir em beneficio de outra, enquanto que o beneficiário é chamado de principal. (VERGUEIRO. Op. Cit., p. 58.)
[12] Ibidem., p. 59.
[13] JENSEN, Michael C.; MECKLING, William H. Theory of the Firm: managerial behavior, agency costs and ownership structure. In: Journal of Financial Economics. October, 1976, V. 3, n. 4, p. 305-360.
[14] INSTITUTO BRASILEIRO DE GOVERNANÇA CORPORATIVA. Relatório Cadbury – Código de Práticas Recomendáveis. Disponível em: <http://www.ibgc.org.br/Codigo.aspx?CodCodigo=13>. Acesso em: 20 dez. 2013.
[15] PARLAMENTO EUROPEU. Documento de Trabalho sobre a proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa às ofertas públicas de aquisição. Disponível em: <HTTP
://www.europarl.europa.eu/meetdocs/committees/itre/…/489309PT.pdf>. Acesso em: 20 dez. 2013.
[16] “To protect investors by improving the accuracy and reliability of corporate disclosures made pursuant to the securities laws, and for other purposes”. (ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Public Law 107-204. Disponível em: <HTTPS://www.sec.gov/about/laws/soa2002.pdf>. Acesso em: 20 dez. 2013.)
[17] VERGUEIRO. Op. Cit., p. 58.
[18] BRASIL. Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6404compilada.htm>. Acesso em: 03 jan. 2014.
[19] INSTITUTO BRASILEIRO DE GOVERNANÇA CORPORATIVA. Código de Melhores Práticas de Governança Corporativa. 4. ed. São Paulo: IBGC, 2009.
[20] ABNT. ABNT NBR ISO 26000: Diretrizes sobre responsabilidade social. Rio de Janeiro: ABNT, 2010, p. 22-23.