Considerações iniciais sobre a Sociedade Limitada Unipessoal

No último dia 30 de abril, foi editada a Medida Provisória n. 881 que, intitulada de Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, com fundamento de proteger a livre iniciativa e ao livre exercício de atividade econômica, fez alterações substanciais no Código Civil em diversos capítulos, desde a parte dos contratos, passando pelos direitos reais, entrando, inclusive pelos direitos das empresas.

Não entrando no mérito da via jurídica utilizada para a modificação de um instrumento tão importante para a vida social quanto o Código Civil, quero propor uma análise sobre a modificação do artigo 1.052 do diploma privado, que cria a sociedade limitada unipessoal.

Quadro comparativo da modificação no Código Civil

Antes da modificação

Após a modificação

Art. 1.052. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social. Art. 1.052. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social.

Parágrafo único.  A sociedade limitada pode ser constituída por uma ou mais pessoas, hipótese em que se aplicarão ao documento de constituição do sócio único, no que couber, as disposições sobre o contrato social.

Contradição com o conceito de sociedade

A criação de uma sociedade limitada unipessoal é contrária com o conceito de sociedade prevista no próprio Código Civil, no artigo 981, que prevê: “Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados”.

Nos termos do sistema jurídico vigente para que tenha sociedade é necessário que exista no mínimo duas pessoas. A pluralidade é um dos requisitos para a formação de uma sociedade.

Impactos sobre a EIRELI – Empresa Individual de Responsabilidade Limitada

A EIRELI, criada em 2011, com a inserção do artigo 980-A no Código Civil, é uma pessoa jurídica unipessoal. Ela foi criada sendo uma pessoa jurídica e não uma sociedade, justamente em função da incompatibilidade com o conceito de sociedade existente no ordenamento brasileiro.

Há época da criação da EIRELI houve discussão sobre como esta seria criada, quais os requisitos, quais as disposições que seriam aplicadas a ela. O Congresso discutiu, a comunidade jurídica discutiu, a sociedade discutiu; não foi algo imposto, mas algo buscado e debatido para ser como ela é, inclusive a exigência de um capital social mínimo e a impossibilidade de uma pessoa natural ter mais de uma EIRELI.

Entretanto, com a criação dessa sociedade limitada unipessoal não há nenhuma exigência, nenhum requisito para a sua criação. Qualquer um pode constituir uma sociedade limitada unipessoal, com qualquer capital social e em número que tiver interesse.

Ademais, não há estudos sobre os impactos da criação da sociedade limitada unipessoal efetivamente sobre a liberdade econômica, nem sobre a livre iniciativa.

Ao contrário, há o risco de que EIRELI cair em desuso, como atualmente estão a Sociedade em Nome Coletivo, a Sociedade em Comandita Simples e a Sociedade em Comandita por Ações. Vai ser letra de lei morta.

Leia também:

O tratamento normativo do Empresário no Código Vigente

A pessoa jurídica como membro único da EIRELI

Artigo de Aluno Convidado sobre a EIRELI

Sobre a Autora:

Nadialice Francischini de Souza

Advogada. Docente. Doutora em Direito pela UFBA, na linha de Relações Sociais e Novos Direitos, estudando a Governança Corporativa e o Direito de Propriedade.

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