Limites da Intervenção Estatal nas Relações de Consumo

Resenha sobre Limites da Intervenção do Estado nas Relações de Consumo

O princípio da intervenção estatal ou, também denominado, da ação governamental está previsto nos artigos 5º, XXXII[1], e 170[2] da Constituição Federal do Brasil, que determinam que o Estado tem o dever de promover a defesa do consumidor, bem no artigo 4º, II[3], do Código de Defesa do Consumidor. Com base neste princípio o Estado tem obrigação de atuar nas relações de consumo com a finalidade de proteger a parte mais fraca, a saber, o consumidor. Entretanto, a legislação pátria não indica os limites do poder de atuar do Estado.

Fazer essa delimitação é importante porque não pode o Estado, sob a alegação de que busca a proteção do consumidor, preterir os demais princípios que regulam o ordenamento jurídico, a exemplo da boa-fé, da autonomia da vontade, e da iniciativa privada.

Sobre o tema, Hugo Leonardo Penna Barbosa entende que a participação do Estado é imprescindível para que haja o equilíbrio de condições entre o fornecedor e o consumidor. Para tanto, deve atuar em dois «momentos distintos, inicialmente na elaboração de normas que atendam ao interesse da coletividade e, a posteriori na entrega da efetiva prestação jurisdicional»[4]. Para ele, a obrigação governamental não se trata de intervenção do Estado de forma pura e simples no sentido de inviabilizar a relação entre as partes, mas sim, de operar condições motivadoras do respeito e consideração contratual, tornando equivalentes as posições das partes envolvidas no negócio[5].

Salientam Luís Fernando Rigro Corrêa e Osíris Leite Corrêa que a ação estatal dá-se por “iniciativa direta, por incentivo à criação e desenvolvimento de associação representativas, pela presença do Estado no mercado de consumo e pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho”[6]. Essas ações refletem-se na atuação do Ministério Público, na criação dos Juizados Especiais de Proteção ao Consumidor, através de órgãos de verificação da qualidade dos produtos e serviços.

Ressalta José Geraldo Britto Filomeno[7] que cabe ao Estado não apenas desenvolver atividades no sentido de proteger o consumidor, mediante a instituição de órgãos públicos, mas também incentivar a criação de associações civis, cujo objeto seja a mencionada defesa.

Afirma, também, Rizzatto Nunes que o Estado deve atuar de forma direta para “proteger efetivamente o consumidor, não só visando assegurar-lhe acesso aos produtos e serviços essenciais como para garantir qualidade e adequação dos produtos e serviços”[8].

Na busca da efetivação dos direitos dos consumidores, o Estado deve atuar de forma direta, inclusive mediante o uso do seu poder de polícia, ou indireta, através de políticas governamentais, de inventivo às associações de consumidores etc., como ressalta Márcio André Medeiros Moraes.[9]

É certo que a proteção que o Estado exerce sobre o consumidor visa assegurar o restabelecimento de um equilíbrio na relação jurídica, bem como garantir a efetividade dos direitos desses. Entretanto, esse atuar do Estado não é ilimitado e deve respeitar o campo de abrangência dos demais princípios que regem as relações de consumo, a fim de não cometer abusos na busca de proteção.

O fato de o consumidor ser considerado a parte mais frágil na relação jurídica de consumo, por haver uma desigualdade entre este e o fornecedor, não significa que em toda e qualquer relação jurídica vai haver a concretização dessa situação jurídica. O fornecedor não é sempre a parte mais forte na relação de consumo. A vulnerabilidade é fragilidade em abstrato,e assim deve ser tratada.

Desta forma, quando o Estado atua intervindo na relação jurídica de consumo, na busca do reequilíbrio do negócio jurídico deve fazê-lo de forma que não afronte outros princípios existentes, a exemplo a boa-fé contratual, a livre iniciativa o desenvolvimento econômico.

Essa limitação reflete de duas formas. Primeiramente vai transparecer quando da edição das normas. O Estado não pode, ao promulgar norma de caráter geral e abstrato, vedar, limitar ou dificultar o desenvolvimento da atividade econômica ou mesmo interferir na livre iniciativa sob o pretexto da proteção do consumidor. O ferir dos direitos dos consumidores não deve ser respeitado, entretanto a promulgação das leis não deve ser um obstáculo ao crescimento das sociedades empresariais.

Segundo, o Estado, quando age em seu poder de polícia, deve ser verificar como o seu atuar vai refletir nas relações de consumo. Exemplo é a súmula 381 do STJ, Superior Trubunal de Justiça, que vedou ao poder jurídico o reconhecimento de ofício de supostas cláusulas abusivas em contratos bancários. Pela autonomia da vontade, da liberdade da vontade e da boa-fé contratual se o consumidor se sente prejudicado em virtude de determinada cláusula contratual cabe a este alegar a abusividade, não sendo permitido ao Estado fazer tal interferência, agindo em nome do particular.

A limitação do agir do Estado não significa que este vai deixar de atuar, ou mesmo que o consumidor vai ficar desprotegido, mas sim que outros princípios também devem ser observados pelo ente no momento que busca a proteção ou a preservação dos direitos.

REFERÊNCIAS

BARBOSA, Hugo Leonardo Penna. Princípio da Vulnerabilidade do Consumidor. Disponível em: article/viewFile/24263/23826>. Acesso em: 08 maio 2009.

BRASIL. Constituição Federal de 1988. In Vade Mecum Saraiva. PINTO, Antonio Luiz de Toledo ed. al.. (coord.). São Paulo: Saraiva, 2006.

BRASIL. Lei n. 8.078/1990. In Vade Mecum Saraiva. PINTO, Antonio Luiz de Toledo ed. al.. (coord.). São Paulo: Saraiva, 2006.

CORRÊA, Luís Fernando Nigro; CORRÊA, Osíris Leite. Código de defesa do consumidor: aspectos relevantes. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.

FILOMENO, José Geraldo Britto. Da Política Nacional de Relações de Consumo. GRINOVER, Ada Pellegrini et al (coord). Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.

MORAES, Márcio André Medeiros. Arbitragem nas Relações de Consumo. Disponível em: books.google.com/books?id=Wm0A-hatWh4C&pg=PA43&dq=vulnerabilidade+consumidor&lr=#PPA1,M1>. Acesso em: 08 maio 2009.

NUNES, Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. 3. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2008.

[1] BRASIL. Constituição Federal de 1988. In Vade Mecum Saraiva. PINTO, Antonio Luiz de Toledo ed. al.. (coord.). São Paulo: Saraiva, 2006, p. 09.

[2] BRASIL. Constituição Federal de 1988. In Vade Mecum Saraiva. PINTO, Antonio Luiz de Toledo ed. al.. (coord.). São Paulo: Saraiva, 2006, p. 56-57.

[3] BRASIL. Lei n. 8.078/1990. In Vade Mecum Saraiva. PINTO, Antonio Luiz de Toledo ed. al.. (coord.). São Paulo: Saraiva, 2006, p. 805.

[4] BARBOSA, Hugo Leonardo Penna. Princípio da Vulnerabilidade do Consumidor. Disponível em: article/viewFile/24263/23826>. Acesso em: 08 maio 2009, p. 06.

[5] BARBOSA, Hugo Leonardo Penna. Princípio da Vulnerabilidade do Consumidor. Disponível em: article/viewFile/24263/23826>. Acesso em: 08 maio 2009, p. 05.

[6] CORRÊA, Luís Fernando Nigro; CORRÊA, Osíris Leite. Código de defesa do consumidor: aspectos relevantes. Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p. 28.

[7] FILOMENO, José Geraldo Britto. Da Política Nacional de Relações de Consumo. GRINOVER, Ada Pellegrini et al (coord). Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007, p. 70.

[8] NUNES, Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. 3. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 130.

[9] MORAES, Márcio André Medeiros. Arbitragem nas Relações de Consumo. Disponível em: books.google.com/books?id=Wm0A-hatWh4C&pg=PA43&dq=vulnerabilidade+consumidor&lr=#PPA1,M1>. Acesso em: 08 maio 2009, p. 46.

Publicado originalmente na REVISTA DE DIREITO – ARGUMENTUM. Marília, p.269 – 272, 2010.


Leia mais publicações desse blog sobre Direito do Consumidor 

Receber avisos de novos artigos

close

Receber avisos de novos artigos