Comentários à obra “Crítica do Mensalão” de Nilo Batista – O papel da mídia no processo de tomada de decisões

1 – Sobre Nilo Batista

O professor e advogado Nilo Batista é Doutor em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2009), Mestre pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1997), Graduado pela Universidade Federal de Juiz de Fora (1966), ex-Presidente da OAB/RJ (1984-1985), ex – Secretário de Justiça e Polícia Civil (1991-1993) e ex – Governador do Estado do Rio de Janeiro (1994). Professor Titular de Direito Penal da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, jubilado em 2014.

2 -Sobre a obra «Crítica do Mensalão»

A obra em questão que ora comento trata da apresentação por Nilo Batista de duas peças processuais redigidas para fins de apresentação em processos judiciais ligados ao famoso caso denominado pela mídia de “Mensalão”. As peças são o Parecer no Processo n. 2006.38.00.039573-6, que tramitou perante a 4ª Vara Federal da Seção Judiciária de Minas Gerais; e os Embargos de Declaração na Ação Penal n. 470, que tramitou perante o Supremo Tribunal Federal.

O Autor inicia a obra apresentando uma brilhante nota introdutória, que já tem o condão de nos fazer pensar e refletir sobre pontos que foram apresentados nas peças processuais e que não podem ser esquecidos ou mitigados no laborar jurídico.

3 – O caráter histórico do Mensalão

Entre esses pontos, dois entendo que merecem destaque. O primeiro é o caráter histórico do caso “Mensalão” e o modo como o mesmo tem sido tratado pelos juristas. Nilo Batista aponta que o fato de o STF ter tomado diversas decisões (algumas inclusive contraditórias) e de elas fazerem coisa julgado (com todo o respeito e segurança jurídica que a coisa julgada deve ter) isso não significa que os pesquisadores do direito devem ficar presos a essas decisões. Há um aspecto histórico que deve ser verificado e os estudiosos buscar a real compreensão do que aconteceu.

4 – A Influência da mídia no julgamento do Mensalão

O segundo ponto que destaco é a participação e influência da mídia nos processos acusatórios e a condenação parajurídica. Neste ponto quero me desdobrar um pouco mais, principalmente tendo como observância o momento histórico-político em que vivemos, com todo o processo e processos do caso “Lava-Jato”.

5 – Aspectos relevantes processuais no Mensalão

Não que a obra do Professor Nilo Batista se resuma, em grau e relevância, a esses dois aspectos. O Autor aborda questões importantíssimas de natureza penal e de nulidade processual penal.

No processo contra os diretores do Banco BMG S.A. o Autor aponta que a denúncia deliberadamente ignorou peças processuais importantes, bem como relatórios e informes, sendo seletiva no que interessava para incorrer em crimes de gestão fraudulenta, ao invés de gestão temerária; que não se ateve a tratamento não isonômico aos corréus quando das imputações acusatórias em, havendo distinção de critérios para fixação da acusação; houve a correta análise das provas constantes nos autos, desconsiderando pareceres técnicos; deixou de observar a técnica processual penal para determinação dos tipos jurídicos que foram imputados aos réus, não se atendo as regras para o concurso aparente de crimes.

Nos Embargos de Declaração apresentados no processo n. 470, em tramitação perante o STF Nilo Batista aponta a clara omissão no intuito de desconsiderar provas que constavam nos autos e circunstâncias relevantes, mas que foram esquecidas quando da prolação da sentença. Demonstra, ainda, contradição no uso de argumentos para condenar e para absorver réus em um mesmo processo. Fatos que embasaram condenações, também, sustentaram absolvições, o que demonstra tratamento não isonômico entre as partes.

6 – Comentário sobre o papel da mídia no Mensalão

Entretanto, tendo em vista o momento hoje e cabendo a mim comentar uma obra tão complexa e tão rica em detalhes e aspectos jurídicos, seria desumano em um único editorial fazer uma análise completa de todos os pontos.

O aspecto da influência da mídia na tomada de decisões judiciais é de tal maneira importante que Nilo Batista encerra a sua nota introdutória afirmando que “Nunca existiu um tribunal humano infalível”. Isso significa dizer que todo juiz, na sua qualidade humana, faz um juízo de valor antes mesmo de iniciar o julgamento. Esse juízo de valor é criado tendo como base o cenário onde ele está inserido e a mídia tem papel relevante.

Papel esse que, em seu parecer, o Autor abre uma parte somente para comentar a influência dessa na formação da presunção de inocência dos acusados e o direito a um julgamento justo, isento e imparcial – a primeira parte.

Nessa primeira parte o Doutor Professor chama a atenção para questões como a “culpabilidade preventiva” e ao “linchamento público” que podem influenciar o processo de tomada de decisão. Destaca também o excesso de exposição dos acusados em função de uma mídia que publicava à época notícias bombásticas e sensacionalistas.

O Autor, citando Bustos Ramírez, destaca duas formas como a imprensa coloca os fatos criminais: a primeira através da obtenção de informações de forma unilateral, normalmente através de informes policiais; e a segunda na narrativa dos casos em si, como se fosse um conto de fadas e sempre houvesse um lado bom e um lado mau. E ele acrescenta um terceiro que é o papel moderador da mídia, o papel de corrigir as mazelas do judiciário, as injustiças criadas na aplicação da lei.

A importância de observar esses aspectos, segundo Nilo Bastita, está no fato de que quando o juiz se deixa levar pela opinião pública, “a sentença não passe de averbação judicial de um veredicto já anteriormente ditado: a mídia já julgara (trial by the media)”.

Não só o juiz deve ter cuidado com a influência da mídia no seu agir, mas todos que estão diretamente relacionados com o processo.

O Autor não afirma de forma clara, mas deixa a entender no seu Parecer, quando trata da peça acusatória dos diretores do Banco BMG S.A. (p. 20-40) que a mesma foi elaborada como decorrência do desmembramento do “processo-mãe”, mas sem observar o rigor técnico e sob a influência do que já era, ao tempo, veiculado pela imprensa. Ou seja, sob a influência indireta, senão direta, das acusações que a mídia já havia promovido.

Tal observação é feita quando Nilo Batista aponta tecnicamente a seletividade da denúncia que deixou de observar questões de gestão temerária, imputando diretamente questões de gestão fraudulenta e considerando simulados contratos formalizados de acordo com a legislação. E na busca por caracterizar os contratos como simulados, houve como decorrência da repercussão na mídia, a desqualificação das garantias dadas nos contratos de empréstimos.

Outro ponto que o Autor aponta a participação da imprensa no processo de tomada de decisão que acarretou na condenação dos diretores do Banco BMG S.A. está na motivação para a prática dos atos criminosos, que seria possibilidade de a instituição financeira se beneficiar diretamente da Medida Provisória n. 130/2003.  Ele aponta: “Quando do escândalo, afirmou-se levianamente em toda a mídia que a edição dessa MP nº 130 destinava-se a favorecer o BMG […]”. (p. 36)

O Autor também destaca que a “publicidade opressiva da mídia” fez criar no processo contra os diretores do Banco BMG S.A. um horror geral que a todo instante transparece: “o mensalão”. (p. 119)

A expressão ‘mensalão’ criada pelo então Deputado Roberto Jefferson, para o caso de pagamento de propinas nos Correios foi usada pela mídia com a finalidade de depreciar as pessoas de forma a promover um julgamento prévio dos acusados, simplificando todo o complexo de atos que demandaram as acusações e as condenações. (p. 119-120)

Todos esses pontos veiculados pela imprensa criou no país um estado de culpabilidade prévia a análise dos autos do processo, segundo Nilo Batista, e isso pode ter influenciado no processo de tomada de decisão e de escolha de quem iria ser condenado ou não.

Após o trânsito em julgado das sentenças e, fazendo análise histórica do caso ‘Mensalão’, permite que o erro não se repita e que os juristas e mesmo os membros da mídia não condenem quem ainda não foi condenado. A acusação é um momento para a pessoa se defender e as partes apresentarem as provas, não para já estabelecer inocentes e culpados.

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